Jornalismo Científico
Mare&Sal: Enlaços entre a poesia e a extensão
Por: Crísllian Rafaela, Jhessyka Fernandes e Safira Bezerra – Estudantes de Jornalismo de Universidade Federal de Alagoas
Doutora Izabel de Fatima Oliveira Brandão ou, se preferir, só Izabel, decidiu dedicar sua
vida à literatura, ao ecofeminismo e à Alagoas. Pesquisadora, escritora, cronista,
professora, ativista social, filha, mãe, amiga e, nas horas vagas, até pintora, uma
menina nascida no Nordeste brasileiro que ousou querer mais, decidiu ir além mas sem sair
da sua terra. Buscou conhecimento no mundo, cruzou mais de 9 mil quilômetros, indo do
Brasil à Inglaterra para se tornar a Doutora Izabel, até que finalmente criou suas raízes aqui,
em Alagoas.
Dentre os diversos projetos da pesquisadora desenvolvidos dentro da Universidade Federal
de Alagoas, Mare&Sal se destaca com seus 26 anos de histórias. Um projeto inspirador que
resistiu ao tempo, às turbulências e ao passar das gerações.
O grupo nasceu de um sonho, em 1998, no interior de um projeto interinstitucional,
financiado pelo CNPq. Com pesquisas voltadas principalmente em torno dos estudos de
gênero, associadas interdisciplinarmente a várias áreas do conhecimento – como literatura,
crítica feminista e ecocrítica, psicanálise, direitos humanos, filosofia, entre outras – o projeto teve, ao longo dos anos, uma atuação marcante no universo acadêmico e social para além
de Alagoas.

Izabel Brandão no trabalho. (Foto: Acervo pessoal)
Algumas linhas não seriam o suficiente para descrever Mare&sal ou Izabel, algumas
páginas deixaria muitas coisas faltando, uma série de livros poderia ser o suficiente, ou não.
Quem é a Doutora Izabel, segundo a própria? O que significa Mare&sal aos olhos de sua
fundadora? Entrevistamos uma mulher que escolheu a literatura para ser parte de sua vida e
transformou a história de outras pessoas. Conheça um pouco – muito pouco mesmo – de
quem é Izabel de Fatima de Oliveira Brandão e o Grupo Mare&sal.
Como o grupo de pesquisa Mare&Sal é formado atualmente?
R: O grupo Mare&Sal é voltado para estudos e pesquisas interdisciplinares. Vamos fazer 26
anos em 2024. O grupo tem trabalhado com pesquisas interdisciplinares mas hoje a
literatura é o nosso carro chefe. A gente já teve uma outra abertura, com pessoas de outras
áreas como a professora Cida Batista, Elvira Barreto, Nadja Regina Lima e várias outras.
Atualmente nossa questão central é o gênero, autoria feminina, autoras negras, autoras
brasileiras, autoras estrangeiras. Estamos com um leque mais aberto, inclusive temos
pessoas de outros estados. Outro carro chefe é a ecologia a partir de um contexto teórico
chamado ecocrítica, que é o estudo do texto literário a partir do contexto ecológico
envolvendo o feminismo. Fora isso, a literatura brasileira de modo geral, literatura
moçambicana e a de mulheres negras.
O que despertou para você o interesse em ser pesquisadora?
R: Eu sempre gostei de estudar. Fiz o concurso da Universidade Federal de Alagoas para ensino de língua inglesa e gostava bastante mas um dia um professor do antigo departamento de
letras estrangeiras modernas, o professor Ésio Nascimento, me ofereceu o trabalho de uma
disciplina de literatura inglesa. Aceitei o desafio, ofertei a primeira vez e gostei. A partir daí
comecei a me interessar então quando fui fazer mestrado na federal de Santa Catarina o
bichinho dos olhos azuis da literatura me captou e aí pronto. A partir daí eu nunca mais
deixei o literário. Eu só mudei um pouco o foco de pesquisa.
Como foram escolhidos os temas de interesse, autores e correntes teóricas que
influenciam sua pesquisa?
R: Eu falo um pouco disso nesse meu livro, “Encontros Feministas com D. H. Lawrence”. A
gente tinha algumas disciplinas de literatura e estudei com a professora chamada Nair, ela
me apresentou esse escritor, D. H. Lawrence, em sala de aula. Já na época eu disse que se
algum dia na minha vida eu fizer mestrado eu faria mestrado com esse autor. Quando fui
fazer meu mestrado, alguns anos depois, escolhi Santa Catarina porque um dos
professores e pesquisadores da universidade, o professor John Derick, era especialista no
Lawrence. Fui pra lá estudar e fiz um trabalho de mestrado, que evoluiu para o doutorado e
nunca consegui me desligar dele, então toda a minha carreira foi parte com Lawrence.
Qual a relação entre literatura, ecologia e feminismo?
R: Vou botar uma palavra: opressão. O contexto da opressão é um contexto amplo. […] Não
é mais necessário derrubar floresta para fazer papel, pode-se plantar para isso. Mas até
essa conscientização houve muita derrubada de árvores e nesse contexto daí a natureza foi
explorada. O contexto das mulheres também. Se você pensar no corpo das mulheres, que é
uma casa, tem sido também explorada de uma forma muito cruel. Do ponto de vista
emocional, psíquico. Existe uma conexão não essencialista, mas existe a opressão. A
mesma com os pobres, pessoas pretas, em vários caminhos. O contexto ecológico também
aparece. A natureza não tá lá fora. Eu faço parte dela e ela faz parte de mim.
Qual o papel da literatura na desconstrução das hierarquias de poder relacionadas ao
meio ambiente e identidade de gênero?
R: Eu costumo dizer que na medida em que leio um texto literário eu percebo as coisas que
estão sendo ditas ali e minha leitura pode ser multiplicada, ao levar à sala de aula e debater
sobre determinado assunto com alunos. Tudo isso funciona como elemento multiplicador.
Não é ao pé da letra que o contexto da violência aparece e, sim, de imagens e várias
coisas, que é cruel, em que circunstância for […]. A violência não é um contexto que tá fora,
longe da gente. Tá muito perto da gente. Tem que olhar isso de uma forma solidária, porque
não é fácil falar desse contexto e ter uma resposta fácil. Ele pede reeducação da sociedade,
envolvimento das instituições e da sociedade como um todo, de um maior respeito às
mulheres. Esse contexto também é da natureza que tá em mim e do lado de fora. Você olha
isso do ponto de vista político, porque é uma questão política, ética e educativa.
Qual pesquisa está ativa atualmente?
R: A atual pesquisa é a tradução de textos da ecocrítica e do ecofeminismo para a
organização de uma antologia. O projeto atual não é especificamente sobre literatura de
língua inglesa. O que faço hoje, financiada pelo CNPq, é “Literatura, crítica feminista e
ecologia: traduções e intersessões (eco)críticas”. Nesse sentido, tenho trabalhado com
material de textos para construir uma antologia.
Na sua opinião, qual a importância da pesquisa da literatura para o meio acadêmico e
para a sociedade como um todo?
R: Talvez isso não vá soar muito legal, mas eu tenho observado que parte da juventude hoje
não consegue ler além de uma tela de um celular. Lê mas não gosta de ler muito. O texto
literário pode ir de um poema curtinho a um romance de mais de 800 páginas, como é o
caso de Ulisses do James Joyce. Você precisa incentivar o estudo do texto literário. Eu
sempre orientei iniciação científica e considero de uma riqueza incrível e fantástica, mas
precisa incentivar, tem que continuar e você só conhece uma cultura adequadamente
quando você conhece o que aquela cultura tem do ponto de vista do seu texto literário, da
sua história literária.
Quais as suas mais recentes percepções na pesquisa em estudo de literatura e
ecocrítica?
R: É pouco, ainda, mas já está havendo uma abertura maior para este campo de trabalho.
Eu comecei a trabalhar na área de ecologia desde 2003. “Refazendo nós” tem a primeira
publicação que fiz sobre literatura e ecocrítica, que foi Ecofeminismo e Literatura: Novas
fronteiras críticas. É um campo de trabalho que ainda tem muito chão pela frente. Em 2020,
organizei um dossiê para uma revista chamada Artemis, da UFPB, e observei que os textos
que as pessoas olhavam e a forma de olhar o texto literário ainda era muito tradicional. Há
pouca leitura simbólica, política e ideológica, porque há um impacto do que acontece
socialmente para os escritores, que não escrevem do nada. A escrita tem uma base no real,
mesmo que o real seja transformado num contexto utópico ou de vida idealizada. Também
há coisas bonitas nesses textos, não por haver visões idealistas, mas por verdadeiramente
haver beleza. É relativo. Há muito conservadorismo, mas também há muita autenticidade,
com coisas visualmente bonitas e difíceis. O olhar precisa crescer e amadurecer.
Quais são os seus projetos de pesquisa futuros ou áreas que gostaria de explorar na
carreira acadêmica?
R: Darei continuidade ao projeto atual de traduções, pois leva tempo, não é simples. É um
processo bem lento e provavelmente ainda vou levar uns anos trabalhando nessas
traduções. Mas tenho um projeto bem bacana, com poesia, porque também escrevo poesia,
tendo 3 livros publicados e um quarto que estou há uns 10 anos arrumando e nunca sobra
tempo, pois a academia está sempre à frente. É um livro que tem nome desde o começo,
mas ainda está sendo organizado, o “Coisas da aula”. Vai ter poesia, pintura, crônicas,
poemas, ensaios e desenhos. Tenho coisas para fazer até os próximos 10 anos (ri).

Grupo Mare&Sal reunido. (Foto: Acervo pessoal)
