Connect with us

Reportagem Especial

Renda é tradição

O sustento que nasce do coração – e da memória – de um povo, agora transformado em microempreendedor.

Published

on

Por Ana Beatriz Elias e Diego Souza – Estudante do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Alagoas

A divisa entre os municípios de Marechal Deodoro e Maceió, no litoral sul alagoano, abriga uma beleza inestimável entre seus coqueirais. A entrada, em forma de tear, remete ao patrimônio imaterial e cultural da região – não apenas carregando a tradição a cada ponto bordado, mas dando um novo sentido à palavra ‘renda’. Estamos falando do Pontal da Barra.

Os primeiros registros do Pontal datam de 1792 com o nome de Vila São Pedro, mas há relatos de que a população pontalense já existia antes disso. O bairro nasceu às margens do Oceano Atlântico e da Lagoa Mundaú, e tirou de suas águas todo seu sustento, tradição e cultura através da atividade pesqueira.

Pescador se preparando para jogar tarrafa no mar (Foto: Diego Souza)

Foi das redes de pesca que nasceu o bordado filé, hoje oficialmente considerado patrimônio imaterial e cultural de Alagoas. Os pontos que formam desenhos vieram da Europa durante o Brasil colonial, ganhando cor ao chegar nas mãos das rendeiras. Hoje, são vistos em produtos que vão de utensílios práticos até moda – bolsas, roupas, caminhos de mesa, entre outros. A costura entrelaça a história do povo e sua sobrevivência.

Roupas produzidas a partir da renda de filé (Foto: Diego Souza)

E foi dessa necessidade de sobrevivência que os habitantes do Pontal passaram a vender o filé. O que antes era apenas uma tradição local passou também a ser fonte de renda. Segundo dados da Secretaria de Estado de Planejamento, Gestão e Patrimônio (Seplag), em 2014, já eram mais de 500 artesãos que produziam o bordado apenas na região. A arte, passada de geração em geração, garantiu não só a preservação da memória do bairro, mas também encontrou uma maneira de movimentar a economia local – não só colocando comida na mesa, como gerando oportunidades de emprego para o povo do Pontal.

Lucy Joazeiro Petrúcio é um pedaço desta história. Ela chegou ao Pontal na década de 1960, quando o bairro ainda era localizado na famosa ‘Prainha’ – encontro da lagoa com o mar. Veio para trabalhar como professora, mas aprendeu o filé pela tradição do local e estabeleceu um vínculo especial com o bordado, criando inclusive o grupo folclórico das baianas – folguedo no qual artesãs dançam usando trajes feitos de filé entoando cantigas próprias e populares.

Dona Lucy, microempreendedora e artesã produtora da renda de filé (Foto: Diego Souza)

Hoje, 64 anos depois, possui uma loja própria, na qual não apenas vende seus produtos como de mais dois jovens funcionários, que também são artesãos. Ela fala da importância de empregá-los.

“Para que a renda filé se perpetue […]. Eles são meus funcionários, recebem um salário, têm um dia de folga…”, ressalta Lucy.

Um dos funcionários de Lucy é o Daniel Queiroz, de 22 anos. Ele conta que aprendeu a fazer filé com uma tia, aos 9 anos de idade, e que após crescer, o emprego na loja deu a ele não só a oportunidade de seguir esse conhecimento, mas também sobreviver com uma renda fixa e comissão por vendas.

Daniel Queiroz, artesão produtor da renda de filé (Foto: Diego Souza)

“A gente recebe por salário, então pra mim, é maravilhoso trabalhar aqui porque eu vendo umas coisinhas minhas que eu mesmo faço, vendo para os turistas e explico do jeito que é feito. […] É daqui mesmo, do filé que eu tiro meu sustento”, conta Daniel.

Já para Rita Souto, que também trabalha com dona Lucy, o filé é uma distração. Ela aprendeu a fazer o bordado com a avó e, apesar de ter começado um pouco mais tarde – aos 14 anos – também é apaixonada pela tradição. Hoje, com 21 anos, também tira o sustento do artesanato e consegue ajudar nas despesas em casa.

Rita Souto, artesã produtora da renda de filé (Foto: Diego Souza)

É uma distração e tanto fazer o filé […] e também uma ajuda financeira, fazer um extra a mais”, diz Rita.

A loja de dona Lucy é um exemplo de negócio que vem crescendo no Pontal da Barra e que movimenta a economia não apenas do bairro, como também do estado. Se, antigamente, as lojas ficavam apenas entre as famílias, agora possuem funcionários artesãos contratados formalmente, cumprem obrigações legais e pagam salários. Outras iniciativas também ajudam a expandir o comércio da renda, preservar a memória e gerar emprego na região, como Instituto do Bordado Filé (Inbordal).

Inbordal

O Inbordal tem sua sede localizada na Avenida Alípio Barbosa, número 664, no bairro do Pontal da Barra. É uma derivação do Programa do Artesanato Brasileiro, que conta com mais de 1000 artesãs somente em Maceió. Além de definir um padrão de qualidade para o bordado por meio de uma caderneta criada exclusivamente para suas associadas, o instituto vende e expõe os produtos das rendeiras para dentro e fora do estado. Seus principais clientes são Alagoas, São Paulo, Bahia, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. As peças podem ser conferidas no Instagram do instituto: @inbordal

Artesãs do Inbordal (Foto: Reprodução – Instagram)

Estas ações levam a crer que o bairro tem grande perspectiva de crescimento, inclusive impulsionando o turismo local, por ser uma arte nativa. A turista Clarisa Prigol, do Rio Grande do Sul, exalta a diferença e a beleza do filé alagoano.

Clarisa Prigol, turista do Rio Grande do Sul (Foto: Ana Beatriz Elias)

“É uma peça bem diferente porque lá no Rio Grande do Sul, não tem esse tipo de trabalho. […] Bem diferente de lá”, aponta Clarisa.

E é conservando a tradição, mas ao mesmo tempo com sua originalidade, que o bordado filé atravessa estados e países, levando um pedaço da história e do coração de um povo consigo, garantindo o sorriso no rosto de quem compra e de quem vende.

Movimentação de turistas no Pontal da Barra (Foto: Diego Souza)

Continue Reading

Copyright © 2024 - M8 Estúdio.