Jornalismo Científico
Antônio Freitas: Do menino observador e indagador ao professor pesquisador
Por Everlany Ataide de Almeida – Estudante de Jornalismo da Universidade Federal de Alagoas
Professor do curso de Jornalismo há 41 anos, Antônio Freitas começou como professor
substituto em 1983 e, após dois concursos feitos nas áreas de jornalismo e jornalismo
impresso, se tornou professor titular em 1985. Freitas é graduado em Jornalismo pela
Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP), tem pós-doutorado em
Mídia e Educação pela Universidade do Porto, em Portugal, e doutorado em Linguística
e Mestrado em Letras pela UFAL. Atualmente é líder do Grupo de Estudos, Pesquisa e
Extensão em Jornalismo, Linguagem e Multimídia (Comulti), além de integrar o Grupo
de Pesquisa Multidisciplinar em Educação de Jovens e Adultos (Multieja/Cedu/Ufal).
Antônio Freitas também tem atualmente mais de 10 livros publicados — entre autoria
própria e coautoria — entre as áreas de comunicação, linguagem e educação.

Antonio Freitas – Professor Titular do curso de jornalismo da Ufal (Foto: Antônio Freitas)
Confira a entrevista completa:
Há quantos anos você é professor do curso de Jornalismo?
Eu comecei no curso em 1983 na condição de professor substituto. Em 1985 houve
concursos para professor efetivo e fiz concursos em duas áreas, nas áreas de jornalismo
e de jornalismo impresso. Na área de jornalismo, de forma ampla, eu fui aprovado em
segundo lugar, em jornalismo impresso fui aprovado em primeiro lugar. De 1983 a 1985
eu fui professor substituto e estou na UFAL há 40 anos. Uma coisa interessante e que
faz parte da minha história é que o presidente das bancas dos meus concursos foi nada
mais nada menos do que José Marques de Melo, um dos maiores pesquisadores de
jornalismo do Brasil, um alagoano da região de Palmeira dos Índios, professor emérito
da USP e professor honoris causa de muitas universidades no exterior. Ele ministrou
aulas na Europa, nos Estados Unidos, em grandes universidades, e foi o fundador da
Escola de Comunicação e Artes da USP. Muita gente não sabe quem foi José Marques
de Melo, muita gente de Alagoas não sabe quem foi ele. Ele é daqui, é um dos
principais pesquisadores e teóricos do mundo na área de jornalismo e eu tive o prazer de
tê-lo como meu avaliador. O professor José Marques de Melo também foi honrado e
agraciado pela UFAL com o título de professor honoris causa. É mais um relato para a
história e memória do curso de Jornalismo da UFAL, para a história da própria UFAL e
do jornalismo brasileiro.
De onde surgiu a paixão pelo jornalismo?
Essa paixão surgiu há muito tempo, ainda quando era adolescente, porque eu sempre
gostei de ler, de observar o meu entorno, e isso estimulou a minha visão crítica e
analítica sobre os fatos, sobre as coisas. Essa vontade de saber, a busca pelo
conhecimento, pela informação, pelo desejo de conhecer cada vez mais, foi aguçando na
minha adolescência. Meus pais são analfabetos e eu lembro de ver, ainda quando
criança, as dificuldades que eles detinham ao longo da vida pelo fato de não dominarem
a leitura e a escrita, como eram discriminados e a falta que fazia a educação formal, o
acesso à escola. Eles não puderam, não tiveram condições econômicas para estudar, mas
me deram o mínimo e com esse mínimo eu consegui dar um salto por meio da
educação, mas com muita dificuldade. Nos mudamos do interior de São Paulo para
Campinas, segunda maior cidade de SP, para tentar uma vida melhor, e em frente ao
local onde eu morava havia uma praça e em frente a praça havia uma banca de jornal.
Eu tinha 10 anos na época, já estava encaminhando meu processo de letramento, e essa
banca de jornal me atraía pelas cores das revistas, dos jornais, pelas fotos, e a minha
curiosidade foi se aguçando cada vez mais. Como eu não tinha dinheiro para comprar
jornal e nem revista, eu lia as matérias, lia os jornais que ficavam pendurados como se
fossem folhetos de cordéis em exposição nessa banca de revista na pracinha. Eu fui
mergulhando nesse mundo da informação, do conhecimento, me interessando cada vez
mais pelo jornal, pelo jornalismo, pela descoberta do mundo, e percebi que era o meu
caminho. Além disso, sempre fui um aluno bom na área de redação, uma das disciplinas
que eu mais gostava era língua portuguesa e de redação.
Quais atividades você desenvolve na UFAL atualmente?
Atualmente eu ministro as disciplinas de jornalismo investigativo e técnicas de redação 2. Além disso, sou coordenador do NDE (Núcleo Docente Estruturante) que assessora o
colegiado para tomadas das principais decisões no curso, há comigo mais 5 colegas que
o integram. Atualmente estamos fazendo o coração do curso de Jornalismo, estamos
revendo o projeto pedagógico do curso (PPC) para entregar para os estudantes um curso
mais qualificado ainda, atualizado e vinculado ao século XXI, moderno,
contemporâneo, jovem, vibrante, com um conteúdo rico, que vai possibilitar a formação
de futuros e futuras jornalistas de acordo com as novas condições sociais, tecnológicas e
políticas. Não só uma formação voltada para o mercado, mas voltada para a sociedade
de forma mais ampla, para o mundo do trabalho, para o mundo político e o mundo
social.
Você faz parte ou está a frente de algum grupo de pesquisa atualmente?
Eu tenho um grupo de pesquisa chamado COMULT (Comunicação e Multimídia) que
trabalha com jornalismo, educação, linguagem e multimídia, que nos últimos tempos
não teve um desempenho razoável porque tivemos vários problemas nos últimos 4 anos.
Um deles foi a COVID, com a COVID nós nos distanciamos, ficamos 2 anos ou um
pouco mais no ensino não-presencial, mediado pela tecnologia. E ao mesmo tempo, ao
longo do último governo as bolsas para pesquisa praticamente sumiram, desapareceram.
Tanto a graduação, quanto a pesquisa e extensão sofreram. Todos os grupos de pesquisa
sofreram, as poucas bolsas que nós conseguimos não foram renovadas e a maior parte
dos estudantes que temos são estudantes carentes. Muitos estudantes têm a bolsa como
uma ajuda fundamental e sem bolsa o grupo não teve como agregar estudantes para
desenvolver projetos. Agora que nós estamos recompondo e esperamos que a situação
melhore, que a quantidade de bolsas para pesquisa e extensão aumentem.
Independentemente disso, eu continuo com um trabalho no meu grupo, fazendo uma
pesquisa que já venho encaminhando há 3 anos. Estou trabalhando dentro do campo da
estética da comunicação, estou pesquisando a comunicação do grotesco, e uso como
objeto de estudo o “Programa do Mução”. Dentro do programa tem uma parte chamada
Pegadinha do Mução, que é muito ouvida, antigamente no rádio e hoje na internet
também, em que ele degrada um ouvinte, ele liga pra pessoa, degrada aquela pessoa e
isso dá uma grande audiência. Isso mostra que a estética da comunicação grotesca
agrada a massa, conquista audiência, como vários programas policiais, muitos
programas de auditório na televisão que trabalham com a comunicação e a linguagem
do grotesco dão audiência. Minha pesquisa está sendo feita usando várias referências
sobre a comunicação do grotesco, sendo uma delas, a principal, Muniz Sodré, que
trabalha especificamente a estética da comunicação do grotesco. Em breve quando
estiver pronta estarei divulgando e pretendo transformar em um livro.
Qual a importância da pesquisa não só para a comunidade acadêmica mas
também para a sociedade?
A pesquisa acadêmica é fundamental porque a universidade não é só o ensino, é um
tripé: ensino, pesquisa e extensão. O ensino é uma parte desse tripé e geralmente o
ensino é baseado no que existe, no que já é conhecido, naquilo que já foi pesquisado,
que já está decodificado, registrado, não importa em qual mídia. O ensino é feito a partir
daquilo que existe e o que existe foi fruto de pesquisa, de trabalho científico, de
desenvolvimento de pesquisa que grupos de pesquisa, pesquisadores e pesquisadoras
transformam em conhecimento, publicam por meio de artigos científicos em revistas
científicas e viram livros, viram bases para o ensino. E o que não existe? O que não
existe a gente não pode indicar porque não existe, só vai existir quando houver pesquisa
naquele campo e alguém publicar um artigo científico ou um livro, aí sim a pesquisa vai
gerar conhecimento, esse conhecimento vai virar livro e esse livro vamos usar para
ensinar. A pesquisa desenvolve novos conhecimentos em todas as áreas.
O que despertou em você o interesse em ser pesquisador?
Eu sempre fui uma pessoa curiosa, observadora e indagadora, no sentido de querer saber
as coisas que ocorriam ao meu redor. É isso o que fundamenta qualquer projeto de
pesquisa em qualquer área, em qualquer sujeito. Uma pessoa que observa, que tem um
senso crítico, que quer saber as coisas que ocorrem ao seu redor, no mundo, tanto
quanto na ciência, na arte, no interior dos sujeitos, na subjetividade, é uma pessoa que é
perguntadora e a pergunta é fundante em todo sujeito pesquisador, em toda pessoa que
investiga e também na prática jornalística. O fazer jornalístico é baseado na pergunta,
perguntar sempre. Sem as perguntas não existem respostas em nada, nem no campo do
jornalismo nem no campo da ciência.
Qual a sua maior realização como pesquisador?
É uma mistura de trabalho, muito trabalho, e sensação de dever cumprido em contribuir
minimamente para a nossa área. Por mais que nós saibamos, a gente sempre vai saber
que sabe pouco ou não sabe quase nada. A nossa formação é contínua ao longo da vida
e quanto maior o saber, maior o conhecimento, maior o acúmulo, vai permitir que
tenhamos um olhar imediato, no aqui e agora, e um olhar para além na nossa área de
conhecimento e isso faz com que sejamos humildes. Como dizia Paulo Freire, temos
que ter uma humildade no campo pessoal e também no campo do saber. Essa humildade
que Freire sempre pregou não significa ser submisso, pelo contrário, é um olhar
filosófico. Será que a gente sabe tudo? Claro que não, a gente não sabe. Então a nossa
realização nos engrandece, nos envaidece, mas é para uma contribuição social mais
ampla. A gente coloca um pequeno tijolo nessa grande obra do conhecimento no
mundo, no conhecimento social, político, econômico, dependendo do campo que o
pesquisador ou a pesquisadora atua. Então pra mim, não há a maior, há realizações. É
contribuir justamente para colocar mais um tijolo nessa grande muralha do saber, do
conhecimento, na minha área da comunicação, educação e linguagem.
