Jornalismo Científico
Entrevista Ping Pong com a professora Elaine Pimentel
Por Leonardo Tenório, Matheus Silvino e Romison Florentino – Estudantes de Jornalismo da Universidade Federal de Alagoas
Elaine Pimentel é formada pela Faculdade de Direito pela Universidade Federal de Alagoas (FDA), mestre em sociologia pela Ufal e doutora em sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco. É professora de direito há 17 anos, pesquisadora na área criminal, trabalhando com execução penal, antropologia jurídica e criminologia. Atualmente é diretora da faculdade de Direito pela Ufal.

Elaine Pimentel (Foto: acervo pessoal)
O que é a mortificação do self que sua tese de doutorado aborda?
Elaine: Ele vem da obra de Erving Goffman, sociólogo e estudioso da microssociologia. Ele trabalha com a perda e deterioração da identidade, e o pressuposto é que todos nós temos várias identidades como de filho, irmão, de estudante e etc. Nessa concepção, se trata de uma identidade auto atribuída, por mais que as pessoas te olhem, você é quem melhor se define. Então, selfie é o conceito da sua auto identidade, sobre o seu olhar por si próprio.
A mortificação do self é importante para o meu campo de estudo dentro do cárcere porque ele nos permite compreender como a pessoa que cumpre pena na prisão em razão da estrutura da prisão, da perda de liberdade, autonomia, como comer, se vestir e encontrar quem quiser. Então, há um conjunto de perdas de relações de autonomias que marcam a nossa identidade. Com isso, a mortificação do self é quando a pessoa não se reconhece mais, se sentindo indiferente da pessoa que era antes da prisão.
Dentro das problemáticas que foram abordadas, quais seriam as políticas públicas que deveriam ser desenvolvidas para minimizar esse processo de mortificação do selfie?
Elaine: É preciso preparar cada vez mais o espaço prisional feminino para receber mulheres porque os estudos evidenciam que a forma do aprisionamento inspira a forma de tratar as mulheres. Elas com suas peculiaridades, diversidade, características culturais, da feminilidade, dos afetos; quando realizamos a pesquisa percebemos a dureza e a brutalidade das formas de penitenciária masculinas e femininas, gerando desconforto, adoecimento emocional, depressão e etc. Portanto, a capacitação de profissionais para esse trato, além de políticas públicas para o acompanhamento da saúde mental, é fundamental e não temos de uma forma suficiente fornecido pelo espaço prisional.
Na tese, você traz uma análise quantitativa e qualitativa. Como se deu esse aprofundamento da qualidade na vida dessas mulheres?
Elaine: A quantitativa abordamos através dos dados fornecidos pela Vara de Execução Penal e na Secretaria de Ressocialização, o qualitativo foi através de metodologias qualitativas como análise de conteúdo para encontrar em alguma dessas mulheres, sujeitos da pesquisa, fontes, informações e dados relevantes para compreender o fenômeno. Esse tipo de pesquisa não exige quantidade, por isso o objetivo principal era dar voz a essas mulheres que são silenciadas pelo cárcere para trazer suas narrativas e a partir disso trabalhar o sentido dessa abordagem através do referencial teórico utilizado que Goffman traz.
Diga-se de passagem é um “corpus” muito grande, professora, porque da quantitativa foram 164 e da qualitativa foram 13, até se fossem duas já era algo super aprofundado, 13 são bastantes, inclusive parabéns, espero um dia fazer algo tão denso como a senhora entregou.
Elaine: Ah, Obrigada. O quantitativo ele demandou muito de mim, para chegar a esses números, pois eu pesquisei todas os prontuários existentes no sistema, eram prontuários físicos.
O qualitativo foi desafiador, porque eu queria mulheres que saíram da prisão. Eu tive muita dificuldade em encontrar essas mulheres. Eu encontrei, primeiramente, as reincidentes que estavam presas, porque voltaram, né? Voltaram. Mas as que estavam soltas, foi muito difícil encontrá-las para a tese.
Essas mulheres, ao se reintegrar à sociedade, deixaram relatos. Tem algum que chama mais a sua atenção, onde elas falam especificamente sobre a sua vivência após sair da prisão, que legitima a sua tese de uma forma direta, que chame a atenção, por exemplo, antes eu era assim e agora eu estou dessa forma?
Elaine: Eu me lembro muito que quando uma mulher foi solta, ela tentou ir para casa a pé e não conseguiu, pois estava com atrofia nas pernas, então no meio do caminho teve que pedir um táxi. É uma coisa que foge um pouco da minha área, mas eu fico com aquela curiosidade, quem sabe um dia eu faça uma conexão e pesquise, por exemplo, a luz do direito à saúde, pois no presídio não tem muito como se exercitar, como caminhar, é muito pequeno e sem estrutura para isso. Então, as mulheres entram fisicamente de um jeito, saem de outro, mesmo quando são novas, como o caso dessa que citei, que tinha menos de 30 anos de idade e saiu com problemas físicos. Quero um dia falar quais são os impactos do encarceramento na saúde de pessoas presas, sobretudo de mulheres, com mais propriedade.
No entanto, o referencial teórico que eu utilizei, foram de vários autores, os conceitos de mortificação do self, deterioração da identidade e estigma que golfo não traz.
Como é um estudo sobre mulheres, eu agreguei isso a uma perspectiva feminista que permitisse pensar a partir das lentes de gênero. E esse, em passagem, é um golfo muito grande.
Outro caso é da a maternidade, a maternagem na verdade, porque o filho está sendo criado fora, ela continua sendo mãe biológica, mas a criança passa a viver com esses pais socialmente adotivos, a família substituta.
Muito incrível, professora. Agora sim, indo aqui para os finalmentes, queria saber quais foram as suas maiores dificuldades ao longo dessa trajetória, como um todo mesmo.
Elaine: Assim, a jornada quanto pesquisadora, para mim, ela é muito prazerosa, satisfatória e leve, eu posso dizer.
Isso não quer dizer que eu não tenha algumas dificuldades, principalmente pessoais.
Foi muito complicado conciliar com a vida pessoal em algumas situações, pois passei por momentos difíceis durante as pesquisas. Tive a morte do meu pai durante meu mestrado, mesmo assim tive forças para fazer a minha dissertação. No doutorado estava grávida, defendi faltando 15 dias para meu filho nascer.
E as dificuldades financeiras? Essas foram um desafio para você durante a pesquisa?
Elaine: Não foi nada comparado às outras dificuldades que tive.
Você poderia falar sobre alguma entrevista que não deu certo?
Elaine: Eu tinha tudo anotado em uma planilha, com as penas, nomes e crimes. Uma vez pedi a uma policial para chamar “fulana”, eram 14h mais ou menos, ela começou chamando: “fulana”, “fulana”, mas a detenta estava descansando, tinha acabado de almoçar, mesmo assim apareceu, porém, estava meia sonolenta, abusada.. mas aí, eu me apresentei, expliquei que estava fazendo uma pesquisa e no mesmo instante ela recusou participar, o momento da abordagem levou a isso. Eu fiquei desesperada, não insisti, por questões éticas, ela tinha liberdade para não participar. Com isso, para as próximas vezes, quis fazer um trabalho de diálogo com as policiais, da forma de abordar essas mulheres, porque se perdesse todas as mulheres, eu perdia a minha pesquisa. No doutorado já estava experiente nisso, já fiz uma conversa prévia, mas ainda tive algumas dificuldades.
Como foi lidar com as dificuldades éticas e práticas ao realizar entrevistas com mulheres no sistema prisional?
Elaine: Tive que negociar até mesmo a presença de policiais armados durante as entrevistas, o que afetou a privacidade e a fluidez da pesquisa.
Você mencionou que em alguns casos precisou reentrevistar as mulheres devido a essas dificuldades. Como foi essa experiência?
Elaine: Em algumas situações, como quando um policial armado estava presente, precisei fazer uma segunda entrevista em um ambiente mais adequado, para garantir que a pesquisa fosse mais autêntica e produtiva.
Entrevistador (Romison): Qual a importância de narrar as dificuldades encontradas durante a pesquisa?
Elaine: É essencial incluir essas dificuldades na pesquisa para fornecer um contexto completo e transparente sobre o processo de coleta de dados e as limitações enfrentadas.
Se você pudesse deixar uma mensagem para todas as pessoas do planeta, qual seria?
Elaine: Que sejamos leves para as outras pessoas e que façamos o bem sem olhar a quem. É uma mensagem de empatia e bondade para o mundo todo.
Obrigado pela sua contribuição e por compartilhar suas experiências conosco.
Elaine: Obrigada pelo convite e pela oportunidade de falar sobre meu trabalho e minhas convicções. É sempre um prazer poder compartilhar minhas experiências.
