Jornalismo Científico
Mar à Vista! Arte e Ciência para Conscientizar Crianças sobre o Meio Ambiente
Pequenos Capitães, Grandes Missões
Por Yasmin Gregório e Eduardo Bezerra – Estudantes de Jornalismo da Universidade Federal de Alagoas
Em um cenário imaginado, a brisa da manhã se espalhava sobre a Área de Proteção Ambiental (APA) Costa dos Corais enquanto uma bióloga marinha concentrada, quase hipnotizada pela dança silenciosa de um cardume de sargentos, colhia amostras de água entre recifes. À primeira vista, tudo ali era vida e cor; mas, escondido entre peixes e corais, estava o velho conhecido inimigo trazido pela maré: uma sacola plástica amarela desbotada pelo sal, vagando pela água como uma versão minimalista de um náufrago. “É como levar um tapa da realidade”, é o que dizem os profissionais da área sempre que se deparam com as provas da nossa negligência ambiental.
Nos recifes de Maceió, peixes e tartarugas compartilham o palco com um elenco não convidado de garrafas plásticas, canudinho, metais, vidros e todo tipo de resíduo sólido que jogados no ambiente marinho constituem uma ameaça ao frágil equilíbrio do ecossistema. Parece piada que resíduos tão comuns possam causar tamanho estrago, mas se você já assistiu Happy Feet talvez se lembre — e se compadeça — do Pinguim-de-penacho-amarelo Amosoro que usava um anel de plástico ao redor do pescoço como se fosse uma joia, e que, no entanto, simbolizava um dos muitos problemas ambientais atuais. Por todos os cantos dos mares, tartarugas confundem sacolas plásticas com águas-vivas e as engolem, apenas para perceber que a refeição foi, na verdade, uma armadilha oferecida pelo ser humano studios. E quanto mais lixo jogamos no mar, mais os personagens dessa história perdem a chance de sobreviver e a biodiversidade marinha vai desaparecendo em silêncio.
É a partir desse problema que surge o projeto Mar à Vista!, uma iniciativa que tem como missão transformar ciência em diversão e conscientização para crianças da rede pública brasileira.

Crianças do Mar à Vista (Foto: Ana Luíza Ambrózio).
Animações coloridas, jogos e histórias lúdicas são os instrumentos desse projeto que se recusa a ser só “mais um” na longa lista de iniciativas ambientais. A ideia é simples, porém ambiciosa: mostrar às crianças que o mar não é apenas um cenário bonito, mas um ecossistema frágil e cheio de segredos. A equipe mistura personagens cativantes com dilemas reais — poluição, pesca ilegal, contrabando animal e turismo desordenado —, na esperança de plantar sementes de mudança na próxima geração. Tudo isso integra um trabalho maior, vinculado ao PELD-CCAL (Programa Ecológico de Longa Duração), um projeto científico apoiado pelo CNPq e FAPEAL que há anos monitora os recifes da Costa dos Corais, a maior unidade de conservação marinha do Brasil.
Com humor e carinho, a animação se vale de referências culturais nordestinas para aproximar as crianças do conhecimento. Entre um caranguejo chamado Chico Ciência — uma homenagem ao saudoso Chico Science — ou histórias inspiradas em personagens que remetem a Nise da Silveira e Graciliano Ramos, de acordo com Maria Villanova, assessora do projeto, o objetivo é fazer com que a garotada se orgulhe das suas raízes e entenda que preservar a natureza é tão importante quanto manter viva a cultura local nordestina.


Personagens do Mar à Vista e Crianças em iniciativa no cinema (Foto: Ana Luíza Ambrózio).
“O mais incrível é perceber que, entre uma brincadeira e outra, eles estão desenvolvendo pensamento crítico”, revela Maria, sem esconder o brilho na voz. “A ciência e a educação ambiental entram na vida deles sem que percebam — e é assim que deve ser.”
Maria entrou no projeto há cerca de um ano, “Na época, eu trabalhava como estagiária de assessoria de imprensa em um órgão público, mas sentia que faltava algo – um propósito.”, relembra. Quando surgiu a oportunidade de assumir a comunicação do Mar à Vista e movimentar o Instagram, ela decidiu mergulhar de cabeça. “Percebi o quanto ele era apaixonante.”, sempre reafirmando que atuam principalmente com crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social. A ênfase no lúdico é porque a criança aprende melhor brincando. Inspirado em Paulo Freire e Piaget, o projeto acredita que o conhecimento precisa dialogar com a realidade e a vivência dos pequenos.
Já Ana Luíza Ambrózio, estudante de jornalismo e monitora do Mar à Vista!, diz que brincar é a melhor maneira de ensinar. Em seu trabalho no projeto, ela vê o aprendizado se transformar em um universo mágico, especialmente pensado para crianças em fase de desenvolvimento. “Além de cartilhas para a criança colorir e fazer as atividades, também temos os episódios de animação, um desenho que foi criado pela própria equipe do projeto”, conta Ana.
No centro dessa proposta está o Lacos 21, canal no YouTube que disponibiliza animações educativas que reforçam a mensagem sobre a importância do cuidado com o meio ambiente. Entre os personagens está Tutuca, um peixe-boi muito brincalhão que adora se aventurar e conhecer o mar onde vive, que junto a outros personagens introduzem conceitos de proteção ambiental de forma acessível e lúdica para o público infantil.
O projeto não se limita ao meio digital ou aulas em espaços educacionais de quatro paredes e Ana Luíza explica que o Mar à Vista! promove sessões de cinema como uma forma de conscientização marítima para crianças de baixa renda. Essas exibições, muitas vezes, são a primeira experiência cinematográfica para algumas das crianças. “Fazemos a alegria de muitos que nem sequer pisaram numa sala de cinema. É uma vivência marcada por uma memória afetiva que associa a experiência cinematográfica ao aprendizado.”
Tudo isso para ensinar que o problema é democrático: ninguém escapa. Desde as majestosas baleias até os minúsculos plânctons, a ameaça se infiltra em todos os níveis da cadeia alimentar. Golfinhos e focas se tornam prisioneiros de redes fantasmas, peixes ingerem microplásticos como se fossem iguarias, aves marinhas alimentam seus filhotes com pedaços de tampas de garrafa e a cada mergulho parece mais claro que estamos perdendo a batalha — mas ainda dá tempo de virar a maré.
O projeto Mar à Vista! sabe que a educação ambiental é uma maratona, não um sprint. “O que nos motiva é ver a felicidade estampada nos rostos dessas crianças e saber que estamos plantando uma semente”, continua Maria Villanova “Pode parecer um ato pequeno, mas, como as ondas que lentamente moldam uma praia, cada ação conta.”.
Talvez, no futuro, essas mesmas crianças se lembrem dos dias em que aprenderam sobre o oceano brincando e, quem sabe, sintam-se inspiradas a proteger o mar que tanto as encantou. Afinal, é assim que grandes jornadas começam: com pequenos passos — ou com grandes marés.
