Educação
Uma vida dedicada ao Ensino de Jovens e Adultos: “Foi uma escolha por quem teve o acesso à educação negado, uma escolha pelos oprimidos, uma escolha política.”
A história de uma professora e pesquisadora que fez da sua trajetória uma escolha de vida política
Por: Arthison Lucena, Guilherme Acioly e Guilherme Honório – Estudantes de Jornalismo da Universidade Federal de Alagoas

É preciso que tenha alguém que pense nos pobres, que pense na população, que pense naqueles em que o direito foi negado”, Marinaide Lima de Freitas Queiroz. (Foto: Guilherme Acioly)
Uma vida dedicada ao Ensino de Jovens e Adultos (EJA) e a pesquisa dessa modalidade de ensino. Essa é a vida da professora e pesquisadora Marinaide Lima de Queiroz Freitas, especialista em alfabetização, pós doutora em educação e professora na graduação de Pedagogia e no Mestrado e Doutorado em Educação Brasileira, do Centro Educacional da Universidade Federal de Alagoas (CEDU/UFAL). A motivação?. “Foi uma opção pelos oprimidos, pessoas que o direito é negado, que na infância não tiveram a opção de ingressar na escola. Minha opção, foi uma opção política, mas política no sentido de que lado eu estou, do lado dos oprimidos.” Marinaide Lima de Queiroz Freitas.
Ao falar sobre os maiores desafios dando aula para os alunos da EJA, a professora cita a própria formação, pois a sua licenciatura a preparava para o ensino de crianças e não para dar aula para jovens, adultos e idosos, “que pensam e que são sujeitos culturais”, como bem frisou.
A realidade encontrada por ela na sala de aula a fez voltar para a universidade para estudar. Sua formação inicial não dava conta da realidade encontrada no ambiente escolar. Ela define a formação de professores como um dos maiores desafios para as EJA. “Um dos maiores desafios é a credibilidade do próprio sistema educacional em relação a EJA”, ressaltou Marinaide, enquanto recordava o período trabalhado na Secretaria Municipal de Educação (Semed), de Maceió, quando coordenava o Departamento de Educação de Jovens e Adultos.

“É necessário uma aula que tire os alunos da alienação. E isso nem sempre a escola gosta.” Marinaide Freitas. (Foto: Arquivo Pessoal)
Na EJA, os alunos possuem uma trajetória de vida, aprendizados adquiridos a partir das próprias experiências, diferentemente de uma turma composta por crianças. Normalmente, a faixa etária é variada. Segundo a docente, em uma sala de aula, as idades variam de 70, 50, 30 e 15 anos “O aluno é um adulto, trabalhador, que tem muitos saberes que nós, professores, muitas vezes, não temos. Então, é primordial existir na sala de aula a troca de saberes, considerando o que os alunos trazem”, explicou.
A metodologia usada pela professora na sala de aula era a de conciliar esses saberes. “A ideia é você trabalhar sendo uma professora que escuta os saberes que eles trazem advindos da sua prática social. Você vai considerar o que eles trazem e vai fazer uma mediação daquilo que eles também precisam. O que eles trazem não é errado, mas, às vezes, tem uma certa ingenuidade. Devemos mostrar o que existe de diferente do que eles sabem”, destaca Queiroz.
“Você não ver nenhum rico analfabeto” Marinaide Freitas. O principal motivo da alfabetização tardia é o fato dos alunos terem que fazer a escolha entre estudar ou trabalhar. No entanto, os mais pobres, na maioria das vezes, não têm outra opção a não ser trabalhar. A EJA tem um enorme impacto social na vida das pessoas de baixa renda que tiveram que largar a escola precocemente ou que nem tiveram acesso à escola em algum momento da vida e que a primeira vez é através da EJA. Os motivos para tal ausência variam.
Conversando com alunas da EJA, de acordo com a professora, elas alegam que devido ao machismo não tiveram a oportunidade de frequentar a escola. Seja porque casavam cedo e o marido não deixava ou o pai as impediam. Diante de empecilhos semelhantes, a professora defende que a EJA seja ampliada para os três turnos e não apenas à noite, porque algumas mulheres não saem de casa pelo horário.
Após os alunos ingressarem na EJA, a dificuldade é fazer com que permaneçam na escola e não desistam no decorrer do ensino. “A gente defende a permanência desse sujeito não só no sentido de ficar, mas dele permanecer, se formar e se transformar. Para isso, é importante ter bolsas de estudo”. Outros fatores, como o acolhimento por parte da escola e a didática empreendida pelo professor, podem influenciar na continuidade.
Assim como no ensino regular, com algumas crianças que só vão para a escola por causa da merenda, na EJA não é diferente. Marinaide defende que a escola precisa se aproveitar desse incentivo e usar estratégias para a permanência do aluno. Em uma pesquisa feita com o seu orientando, intitulada “O refeitório: condições para o aluno permanecer”, ambos puderam testemunhar tal realidade. “Você ouve o quão importante é aquele jantar, para quem vem do trabalho ou mesmo de casa… A escola tem que aproveitar essa motivação e mostrar as outras possibilidades que esse aluno tem permanecendo na escola, que eles podem sair diferentes” comentou.
De acordo com a professora, o papel do docente é crucial para a preservação do aluno. “Temos pesquisas em que observamos o cotidiano dos alunos na escola… Tem professor que fala o papo de ‘lá de fora acabou, aqui é aula’, ela perde um grande momento. Poucos professores aproveitam esse diálogo da prática social”, refletiu.
Outro grande desafio é lidar com baixa autoestima dos estudantes da EJA. “A autoestima chega muito baixa, do tipo ‘eu não aprendo mais’. O jovem chega com a sensação ‘eu estudava à tarde, me jogaram para noite’. O professor deve mostrar que existem outras possibilidades “, destaca a professora.
“É importante entendermos pra quem estamos dando aula” Marinaide Freitas.
Para a professora, essa é uma habilidade importante na EJA: conhecer os seus alunos para preparar as aulas. “Às vezes, a gente prepara uma aula perfeita. Chega lá, foi péssima. Por que? Você não levou o significativo pra eles”, disse. Ela ainda completa. “A aula nesse ambiente, além de possuir conteúdos ilustrativos, necessita do teor político, mas não partidário. O pedreiro constroi uma casa que nunca vai morar nela, por que isso acontece? É necessário uma aula que tire os alunos da alienação. E isso nem sempre a escola gosta.”
Para a consolidação da EJA, é necessário que exista uma política pública de estado e nãode governo – da maneira como existe atualmente. Marinaide defende que esse é um passo importante a ser dado. “A EJA, por viver de política governamental, ela sempre avança e recua. Muitos governos acham que não vale a pena escolas para adultos e idosos. É preciso que tenha alguém que pense nos pobres, que pense na população, que pense naqueles em que o direito foi negado”, defendeu.
Além do mais, é necessária a formação específica de professores em EJA, mas segundo Marinaide, a universidade não dá o devido olhar para esse público, propiciando o silenciamento. “Nós, aqui, na pedagogia, temos estágio em EJA, disciplinas, mas as outras licenciaturas não têm. Muitos nunca ouviram falar desse público. Eu vou fazer de qualquer jeito? Ou eu vou voltar a estudar? Eu voltei, eu assumi a EJA na minha vida, de tornar pesquisadora. O meu objetivo é formar quadros para que a coisa não morra”, ressaltou a professora.
Sobre as experiências na EJA, a que mais lhe marcou em sua trajetória foi uma pesquisa que durou cinco anos e meio, chamada “Observatório de leitura na educação de jovens e adultos”. A pesquisa consistia em mergulhar no cotidiano de cinco escolas, buscando estudantes bolsistas de pedagogia e professores formados que já estavam lecionando. As aulas realizadas pelos professores eram gravadas e depois tinham as sessões de reflexões, onde o professor via a sua aula. Nessas sessões, vários deles não acreditavam em algumas ações direcionadas aos alunos.
“Depois disso, questionávamos: ‘Você quer melhorar a sua aula? Você quer avançar?’ E eles perguntavam se havia como avançar. Dizíamos que sim, mas era difícil, porque a escola não dava tempo de estudo. Eu fazia uma aula modelo para eles, eles davam a sua aula, a gente gravava de novo e repetimos o processo… Eu só estudava a escola, só o aluno ou só o ensino. Essa foi uma experiência que me marcou, porque saímos dos quatro muros da universidade.”, finalizou a professora.
